Os brutais assassinatos do indigenista Bruno da Cunha de Araújo Pereira e do jornalista Dom Phillips nos atingem de modo implacável não apenas por sua natureza injusta e cruel, mas, pela forma banal com que os mundos amazônicos e as causas pelas quais os dois perderam a vida têm sido tratadas por determinados agentes e/ou porta-vozes do Estado brasileiro.

O Vale do Javari e os seres e povos que lá vivem, assim como todos os demais territórios amazônicos, não são lugares selvagens. São mundos e civilizações diferenciadas, são tempos e espaços outros. Selvagem é toda sorte de intervenção que busca impor projetos de desenvolvimento às custas da mercantilização da vida, da destruição das florestas, dos rios e de todos os seus seres. Selvagem é a invasão dos territórios indígenas, abrindo passagem para o agronegócio e a degradação ambiental. Selvagem são o genocídio e o glotocídio contra os povos e as línguas indígenas. Selvagem é um Estado ausente para assegurar o direito à vida e o respeito às culturas e às cosmologias das populações locais, mas, paradoxalmente, presente para permitir a invasão das áreas de proteção ambiental e dos territórios dos Marubo, Kanamari, Madija, Matis, Mayuruna, Korubo e outros povos que preferem manter distância dos modelos predatórios de civilização do mercado. Selvagem são o garimpo, a pesca e a caça ilegais. Selvagem é a desenfreada a violência dos grandes empreendimentos, com suas estratégias de expropriação e de morte sob a cumplicidade direta ou indireta de um poder público indiferente e serviçal.

Ninguém tem como saber a dimensão do sofrimento que Bruno e Dom experimentaram nas mãos de seus algozes – carrascos e mandantes – e nem a dor que atinge suas esposas e demais familiares. Sofrimento ímpar, singular e, ao mesmo tempo coletivo, porque faz parte de uma agenda de atrocidades e mortes, como a do também indigenista Maxciel Pereira dos Santos, que atuava na mesma região, e das centenas de mulheres e homens de diferentes povos indígenas violentados ou assassinados na Amazônia legal nos últimos anos.

Neste momento de dor e sofrimento, que atinge diretamente a família da professora Maria Inês de Almeida e do professor Marcos Almeida Matos, respectivamente, mãe e irmão da professora Beatriz Almeida Matos e colegas pesquisadores vinculados ao Laboratório de Interculturalidade do Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagem e Identidade, expressamos nossos sentimentos de angústia e solidariedade e a disposição para seguirmos juntos em busca de justiça e punição aos assassinos e seus mandantes.

Rio Branco, Acre, 16 de junho de 2022.

Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagem e Identidade

Universidade Federal do Acre

Nota pública